José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos.
Ele nasceu em 1935, em Montevidéu, onde morou ao longo de toda a vida. Começou na política no Partido Nacional, um dos mais tradicionais do Uruguai, onde foi secretário-geral da Juventude. Fundador do principal grupo guerrilheiro do Uruguai, ficou preso mais de uma década, foi torturado pela ditadura e acabou chegando ao poder décadas depois. Mujica se tornou o um dos presidentes mais queridos internacionalmente e colocou o Uruguai, o segundo menor país da América do Sul, na lupa mundial.
Em 2014 , o repórter Guile Rocha, do jornal A FOLHA Torres, acompanhou uma palestra de Pepe Mujica (então presidente do Uruguai), que ocorreu no salão de atos da UFRGS, em Porto Alegre. Entre outras grandes citações, ele disse que era um equívoco considerá-lo um presidente pobre. “Pobre é aquele que precisa de muito, pois nunca alcança nada, nunca está satisfeito”.
Em memória a este grande estadista que nos deixou neste dia 13 de maio, segue a matéria de 2014 na íntegra (texto que se mantém atual, provando que os valores ideológicos defendidos por Mujica seguem atuais até hoje)
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Aplaudido de pé e entusiasticamente, por uma plateia repleta de jovens (de no mínimo 7 países diferentes) reunida no salão de atos da UFRGS (em Porto Alegre) no início da noite 10 de setembro de 2014. Assim foi recebido o presidente uruguaio, José Pepe Mujica, palestrando em evento comemorativo aos então 80 anos da UFRGS. Na maior parte do tempo em que esteve no salão, Pepe estava utilizando uns óculos escuros, para estranhamento da plateia. Mas o ex- guerrilheiro Tupamaro, e hoje referência de uma juventude brasileira esperançosa por mudanças, explicou: “As luzes são muito fortes aqui, me lembram os interrogatórios militares (risos)”
Pepe Mujica abordou o paradoxal momento vivido pela humanidade: “Por um lado, estamos acumulando conhecimento e avanços científicos e, por outro, vivendo uma crise política e de valores, onde somos funcionários do consumismo. As vezes parece que vamos ar nossa vida inteira apenas trabalhando para pagar as contas e querer coisas que não podemos comprar. Mas não pode se esquecer de aproveitar a vida, pois esta não se pode comprar”.
Reconhecimento, liberdade e responsabilidade
Conforme o presidente uruguaio, o ser humano precisa pensar como uma espécie global, não como bloco, país ou continente. “A natureza nos dotou com uma consciência, e temos que aproveitar esse milagre”. defendeu ele, falando ainda que vivemos em uma época desafiadora, em que os países latino-americanos precisam se agrupar. Culturalmente, ele afirmou que a América Latina ou anos se espelhando nos Estados Unidos e na Europa, sem que os países vizinhos olhassem uns aos outros: Hoje já nos reconhecemos com uma cultura própria. No ado, nossos poetas tinham que ser reconhecidos em Paris ou estavam fritos”, brincou.
Mujica diz que sua principal luta é pela liberdade dos seres humanos de viverem dignamente sua vida. “Mas não se pode ser um desocupado, tem-se que achar um propósito para a existência. Temos que ter a liberdade de poder fazer as coisas que gostamos e nos inspiram”. Considerado um presidente reformista – tendo em vista que o Uruguai legalizou (com as devidas restrições) a maconha, o aborto e o casamento gay – Pepe Mujica falou das religiões como uma tradição que acompanha o ser humano desde o princípio, mas que podem ser um recurso limitador da ‘vida vivida’. “Temos apenas uma oportunidade nesse mundo, e não podemos desperdiçar pensando numa vida após esta. Do mesmo jeito que as vezes uma pessoa a 30 anos apenas estudando e esquece-se do mundo real a sua volta”.
Dado o fato de estar proferindo uma palestra na universidade, Mujica se dirigiu diretamente aos estudantes presentes no evento e os chamou a cumprirem seu papel: Não se pode ser acadêmico e não sentir a responsabilidade que se tem com a parcela do nosso povo quase analfabeto, disse ele. O presidente uruguaio também defendeu o fim das fronteiras acadêmicas: Até quando médicos brasileiros não vão poder trabalhar no Uruguai? Por que não há um intercâmbio maior de talentos? Pra quem serve, afinal, a inteligência? Para o povo mundial ou para as corporações?”.
Contra a guerra e pela vida
Para Mujica, dizer que não se tem recursos para combater a fome e a falta de água global é uma vergonha. “Gasta-se no mundo U$ 1 milhão por minuto com a guerra, enquanto não se olha para as grandes desigualdades. O investimento na guerra é o grande erro da humanidade. Sabemos o que fazer e temos como fazer, mas seguimos olhando para outro lado”, afirmou. Ele citou o exemplo de políticos que, voltados para uma agenda própria “como a busca por uma reeleição “deixam de atentar para o que deveriam. “Se o que vivemos não é uma crise política, eu não sei o que é. Sou militante não porque me pagam, mas porque estou a serviço de meu sonho”, disse o presidente uruguaio, sendo efusivamente aplaudido .
Ressaltando as capacidades humanas positivas, Mujica afirmou que o homem deve defender o mundo no qual nasceu e a natureza da qual fazemos parte, aprendendo com os erros já cometidos, evitando as guerras, usando a inteligência para levar a vida de outro modo, que não como um mero pagador de contas. “Não faço apologia a miséria, é exatamente o contrário, defendo a vida. Primeiramente, a vida humana, que, para ser possível, precisa defender toda a vida que nos acompanha neste barco”, encerrou Mujica.